sábado, 12 de marzo de 2011

Transpsicomotricidade Educacional: Psicomotricidade de base Complexa à serviço da Educação Inclusiva


Autor: Prof. Dr. Eduardo Costa (1)

Resumo: Nossa proposta neste artigo é esclarecer as possibilidades de auxílio que a prática Transpsicomotora Educacional pode oferecer, em prol da realização efetiva de uma Educação Inclusiva. Frente às inúmeras dificuldades em realizar a proposta de uma escola verdadeiramente aberta, esta prática, fundamentada nas premissas da Psicomotricidade e do Pensamento Complexo e Transdisciplinar vem contribuir com reflexões e estratégias para a necessária transformação na estrutura educacional/escolar/social. Buscamos também refletir sobre o processo de Formação em Transpsicomotricidade proposto aos profissionais de várias áreas do saber que buscam tornar-se agentes multiplicadores desse enfoque.
Palavras Chave:Psicomotricidade; Educação Inclusiva; Complexidade; Transdisciplinaridade

1 - Introdução:
Nossa proposta neste artigo é esclarecer as possibilidades de auxílio que a prática transpsicomotora educacional pode oferecer para a necessária transformação na estrutura educacional/escolar, além da ampliação das participações familiares e comunitárias, imprescindíveis numa Educação verdadeiramente Inclusiva. Busca também refletir sobre o processo de Formação proposto aos profissionais que buscam tornar-se Transpsicomotricistas.
Nossa abordagem fundamenta-se a partir das premissas elaboradas e aperfeiçoadas, desde 2000, na Formação em Psicomotricidade com base no Pensamento Complexo – Transpsicomotricidade (TrPm) Educacional e Clínica, desenvolvida pelos Psicomotricistas Profª. L.D. Martha Lovisaro e Prof. Dr. Eduardo Costa na Faculdade de Educação (EDU) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O termo Educação Inclusiva surge no inicio da década de 1990 e teve como marcos mundiais: a Conferencia Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien na Tailândia, em 1990, onde surge a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Mendes, 2006) e, quatro anos mais tarde, a Conferencia Nacional sobre Necessidades Educacionais Especiais, que produziu a Declaração de Salamanca (Brasil, 1994), tida como a proposta mais importante na difusão da filosofia da Educação Inclusiva (EI).
A Educação Inclusiva (EI) baseia-se no conceito de escola aberta, na aceitação da diversidade, incluindo pessoas com ou sem deficiências, buscando não só a integração e permanência dos sujeitos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) em classes regulares, mas a sua evolução acadêmica, neste ambiente, além do incremento da integração social de toda a diversidade de cidadãos, parte fundamental para a eficácia da meta de uma sociedade mais justa e igualitária.
O conceito de Educação Inclusiva se volta para uma educação de qualidade para todos, onde os ditos “normais” e aqueles com Necessidades Educacionais Especiais (NEE); diferenças étnicas e culturais; possam conviver de forma integrada, coordenando potenciais, em prol do desenvolvimento de todos.
Segundo Mendes (2006), no contexto mundial, a Educação Inclusiva (EI) passa a ser proposta como desdobramento, no campo da Educação, de um movimento global denominado Inclusão social, que consiste na luta pela implementação de um processo bilateral, no qual as pessoas tradicionalmente excluídas e a sociedade como um todo, busquem parcerias no sentido de efetivar e equiparar oportunidades, construindo a cidadania para todos em uma sociedade verdadeiramente democrática, onde a diversidade e o reconhecimento político das diferenças sejam respeitados.
Encontramos em Correia (2001) alguns pressupostos que devem, segundo ele, estar presentes na reestruturação necessária para o surgimento de uma sociedade e, em especial, de uma escola inclusiva.
São eles: As atitudes, aceitando o principio humanista, subjacente à proposta inclusiva, de igualdade e solidariedade, com o compromisso de todos; A formação dos profissionais de educação, que precisam aprofundar e ampliar seus conhecimentos com a nova meta de adaptar os currículos às necessidades de todos os alunos; a formação dos pais na ampliação de sua participação e papéis na educação de seus filhos; A colaboração e parceria com profissionais de saúde, educação e demais áreas envolvidas no bem estar e inclusão social dos indivíduos, como arquitetura, informática, engenharia, entre outros; Os recursos humanos, dentre os quais o autor ressalta o papel decisivo da direção e a formação de equipes inter e transdisciplinares, e materiais, na utilização de tecnologias assistivas e pedagógicas.
Santos (2003: 81 apud 2007), nos faz um alerta quanto à nossas expectativas e iniciativas quando ressalta que
inclusão não é uma proposta de um estado ao qual se chegar. Também não se resume na simples inserção de pessoas deficientes no mundo do qual tem sido geralmente privados. Inclusão é um processo que reitera princípios democráticos de participação social plena. (p.21)
E Senna (2004) nos aponta para a necessidade essencial de uma revisão nos paradigmas ainda correntes quanto à forma simplificadora que concebemos as verdades cientificas e, por conseqüência, os sujeitos sociais em suas diferenças e características. O autor discorre sobre a contribuição original de Vigotsky com a centralidade das dinâmicas sócio-interacionistas na formação da mente, demonstrando a importância do conceito de “desenvolvimento proximal” e estabelecendo uma linha de continuidade entre as assertivas vigostkyanas e as contribuições de Edgar Morin, na proposta de um Pensamento Complexo, onde a religação disciplinar e a solidariedade das culturas poderiam ser as bases de uma sociedade inclusiva.


2 – Bases Teóricas, Objetivos e Métodos:
A Transpsicomotricidade (TrPm) Educacional, buscando aceitar o desafio de oferecer uma via de acesso à reforma do pensamento necessária para a criação de uma nova escola, a partir da mobilização do “habitus” e da corporeidade da comunidade escolar nas interações com o ambiente e com os outros, se pauta nos pilares apontados por Morin (2000), como sendo fundamentais na Educação do novo milênio, para oferecer sustentação e acompanhamento aos grupos em transformação de seus papéis e lugares no condomínio escolar.
Estes marcos surgem a partir da demanda da UNESCO e do governo francês ao pensador, no sentido de apontar as metas para uma reforma no ensino. Os Sete Saberes sobre a Educação do Futuro (Morin, 2000), passam a ser premissas para uma educação mais solidária e cooperativa, onde haja aliança entre os saberes e a condição humana, em sua plena diversidade, possa ser respeitada e valorizada.
Quanto ao conceito de “habitus”, evocamos as teorizações de Bourdieu, 1999, que nos desvela o lugar social dos corpos, marcados através dos comportamentos aprovados e comunicados na linguagem não verbal, o corpo a corpo. Nesta comunicação, que o autor denomina de “hexis”, o discurso se dá através da gestualidade, das posturas, reações e rituais, onde os valores são transmitidos sem que sejam necessárias as palavras ou mesmo uma intenção racional.
A Formação em Transpsicomotricidade Educacional e Clínica (TrPm Ed. e Cl.) (Costa & Lovisaro, 2006), surge a partir do desejo de encontrar uma linha epistemológica e filosófica mais abrangente, que permitisse compreender melhor as tarefas atribuídas ao Psicomotricista, assim como ampliá-las em direção ao contexto sócio-histórico-cultural.
A Psicomotricidade, tal como a entendemos, busca uma compreensão da subjetividade manifesta nos corpos em movimento, em suas interações e na conformação das identidades pessoais, sociais, culturais, através de comportamentos e ações no mundo.
Acreditamos que, numa perspectiva transdisciplinar e complexa, possamos articular as estratégias psicomotoras na educação regular, a partir de um lugar para a corporeidade e suas expressões, que promova a conexão de cada sujeito com sua potência, na autovalorização e na compreensão da necessidade da solidariedade com o outro e com o grupo.
Um dos canais possíveis dessa expressão pela ação psicomotora é o Brincar em seu potencial interativo e de vinculação.
Esse espaço da livre expressão, onde se joga, pela via simbólica, a compreensão da vida real e a aprendizagem de estratégias, implica o estabelecimento de acordo e regras, contudo, sempre na presença do prazer (Winnicott, 1975; Huizinga, 1990).
Trata-se de por em cena as questões nas quais nos encontramos fixados, podendo exercitar, num espaço de segurança, novas ações e posturas para o enfrentamento das dificuldades e sua resolução.
A proposta moriniana (1989) de um olhar poliocular, assim como as premissas da transdisciplinaridade (Nicolescu, 2002) retiram a prática psicomotora de um nicho disciplinar – mesmo que em sua origem tenha sempre apresentado uma estrutura interdisciplinar – e amplificam seu potencial em contribuir para a compreensão da condição humana, em especial, em seus discursos não verbais, ainda pouco explorados por outros campos de atuação educacional e terapêutica.
Morin (2005, 2000,1989, 1986) em muitas partes de sua extensa obra, alerta para o valor e a importância da educação na reforma do pensamento. Evocando Marx em sua celebre expressão: “Quem educará os educadores?” demonstra sua especial preocupação com a formação dos professores e suas possessões sócio-políticas, idéias convergentes com Freire (1998), dentre outros pensadores da Educação.
Morin (2000) aponta, assim, um currículo para a educação do novo milênio, assumido pela Transpsicomotricidade Educacional como matriz de trabalho em todas as esferas de intervenção: estudantes, educadores, funcionários da escola, pais, grupo social onde a instituição está inserida.
Em sua proposição de sete saberes fundantes, a serem transformados em metas da educação, o pensador expõe como inicio do caminho, o reconhecimento das limitações em nossas percepções de mundo, nos levando a refletir que estamos muitas vezes cegos por nossas verdades absolutas e ilusões cultivadas, onde nos fechamos a novos horizontes e paradigmas. É o que o autor denomina de “Erro e Ilusão”.
Devemos reconhecer que nossos valores norteiam nossas visões de mundo, determinando condutas. “Vemos o que cremos”. Contudo, nossos valores estão tão enraizados em nós que não percebemos essas possessões paradigmáticas, negando mesmo que possam existir verdades em outros pontos de vista ou em pensamentos antagônicos aos nossos.
Com o segundo saber a cultivar, Morin (2000) nos alerta para a necessidade de um “Conhecimento Pertinente”, a partir da religação dos saberes, rompendo com uma falsa racionalidade que pensava poder responder a todas as questões através da lógica cartesiana, mas que necessita da aliança dos conhecimentos, não só científicos, mas artísticos e míticos, para processar de forma coerente e contextualizada cada questão.
Outro ponto do currículo que o autor elenca como prioritário é o “Ensinar a Condição Humana”. Mostra-nos que o pensamento simplificador, fruto da racionalização, criou uma dicotomia em nossa personalidade, fazendo com que negássemos a existência de nosso lado “insano”, “diferente”, “animal”, que ele denomina de Demens, em referencia a nosso status de “Homo Sapiens Sapiens”
Para Morin (op. cit.), não devemos nos esquecer que é nosso lado Demens, que promove a ruptura e o surgimento do novo. Ele propõe que nos denominemos “Homo Sapiens Sapiens Demens”, percebendo que nunca dominaremos totalmente o lado irracional, por mais civilizados que sejamos e que precisamos muito de nossa capacidade reflexiva para conviver com harmonia, sem deixarmos de ser autênticos e criativos. Ensinar a condição humana é ensinar a presença da diversidade absoluta que nos torna indivíduos singulares, é cultivar a tolerância e a solidariedade na constatação de nossa igualdade como seres humanos, em meio a toda essa multiplicidade subjetiva.
A necessidade do quinto saber: “Enfrentar as Incertezas” advém das próprias descobertas científicas do século XX. A aventura incerta da humanidade, que um dia sonhou com o controle total da natureza, é nosso destino. Para lidar com as incertezas, no lugar de negá-las ou tentar eliminá-las como buscou o pensamento simplificador, o autor propõe o uso da estratégia, apostando na ecologia da ação como tentativa de minimizar as variações e atravessamentos que o acaso e o aleatório podem trazer. “É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certeza” (2000:16).
Morin (2000) também alerta para o cuidado com nossa terra-pátria, habitat do humano que precisa construir sua “Identidade Terrena”, ou seja, deixar de ignorar nosso destino planetário e as necessidades imperativas para nossa sobrevivência em harmonia com o equilíbrio ecológico. Trata-se da tomada de responsabilidade na realização das mudanças de comportamento inerentes à proposta de sustentabilidade. O reconhecimento de que todos somos cidadãos planetários e precisamos nos solidarizar nas ações que reconheçam os níveis de agressão ambiental que cometemos e busquem amenizar suas conseqüências. A escola deveria ser o berço desse exercício.
Contudo, a religação, base de toda a transformação que se demanda, depende dos níveis possíveis de compreensão, o que nos leva ao sexto saber proposto por Morin (idem) como crucial, mas esquecido nos espaços educacionais, em sua maioria – “Ensinar a Compreensão”. Reconhecendo as inúmeras dificuldades e obstáculos na busca da compreensão de algo ou alguém, já que a diversidade, tão estimulante e enriquecedora, também cria dificuldades de comunicação e apreensão dos valores e lógicas de contextos diferentes do nosso, o autor aponta para a premência de exercitar e ampliar nossa capacidade de entender o diverso e a multiplicidade de olhares possíveis, em prol da resolução de conflitos e da aceitação das singularidades – uma educação para a paz.
Por último, mais como um somatório de todos esses saberes/metas da educação do futuro, Morin (ibidem) nos evoca a ética, não como uma leitura maniqueísta de ações boas e más, e sim a partir da proposta de uma “Ética do Gênero Humano”, uma ‘antropo-ética’, sempre levando em conta a condição humana ternária, que é ser simultaneamente indivíduo/sociedade/espécie, sempre em co-produção de uma condição sobre a outra. Esse modelo supõe ainda a decisão consciente de investir na esperança da humanização da humanidade, na solidariedade e democracia, onde não pode haver discriminações e preconceitos contra qualquer indivíduo/sujeito.
A proposta transpsicomotora é colocar esses saberes em jogo a partir das situações não-verbais propostas sob forma de dinâmicas, onde o corpo e o espaço são as bases na construção de dialógicas e associações livres não-verbais em prol da ampliação da consciência pessoal e a reconciliação dos sujeitos com suas corporeidades e com os outros.
Colocando a corporeidade/habitus em foco, podemos facilitar os processos de tomada de consciência dos obstáculos pessoais, teóricos e práticos para alcançar um ambiente solidário o suficiente, que consiga promover uma Educação de fato Inclusiva. Se o corpo se organizou com uma gestualidade excludente e fragmentadora, é preciso desconstruir esses automatismos, há muito cronificados.
Este enraizamento no corpo tem como uma de suas bases teóricas a proposição de Maturana e Varela (2001), do conceito de enação, que nos parece de suma importância na revisão metodológica das abordagens pedagógicas para uma Educação Inclusiva.
A Enação pode ser compreendida através da interação de dois pontos congruentes e complementares: A idéia que a ação é guiada pela percepção, ou seja, a compreensão da percepção é a compreensão da forma pela qual o sujeito consegue guiar suas ações na situação local, e a afirmação de que a cognição, em suas estruturas, emerge dos esquemas sensório-motores vivenciados, que permitem à ação ser construída e guiada pela percepção. É a estrutura vivencial sensório-motora contextualizada.
A valorização do corpo/ação é prevalente nos teóricos da Psicomotricidade (Lapierrre, 1997; Aucouturier, 2007; Cabral, 2001; Vayer & Toulouse,1985; dentre outros), que vem há muitos anos demonstrando a necessidade de uma educação vivenciada, inclusiva, onde todos possam usufruir do prazer de agir e pensar, no respeito pela diversidade.
Morin (1986), reforça essa idéia quando nos diz:
como todo conhecimento cerebral, o conhecimento humano é, na sua origem e nos seus desenvolvimentos, inseparável da ação; como todo conhecimento cerebral, elabora e utiliza estratégias para resolver os problemas postos pela incerteza e a incompletude do saber (p. 192).
Temos também em Santos (2007), profissional da Educação, autora de vários artigos sobre Educação Inclusiva, um olhar convergente, quando reflete sobre o lugar da Psicomotricidade, definindo o objeto psicomotor como:
a compreensão das diversas teias de relações que definirão como o sujeito se percebe e ao mundo, e como este o percebe. Em outras palavras, o objeto psicomotor não se restringe a um corpo físico mas também a aspectos ligados a subjetividade desse corpo, que, por sua vez, tem uma identidade construída nessas teias de relações. (p.20)
Nessa perspectiva, no foco da Transpsicomotricidade (TrPm) Educacional, trata-se de abrir espaços para que todos os envolvidos na teia complexa de interações e retro-interações do ambiente escolar, possam utilizar plenamente seus corpos/identidades para aprender e ensinar.
Na ação espontânea sobre si mesmos, na relação com os objetos e espaços, numa experimentação continua e na possibilidade de interagir com outros sujeitos plenos de singularidades, buscando a harmonia das comunicações, mesmo em meio aos conflitos inerentes à diversidade, e a compreensão de si e do mundo.
As atividades psicomotoras, quando realizadas dentro dos ideais precípuos da TrPm, podem ser compreendidas como práticas não competitivas, de livre expressão das corporeidades frente ao espaço e aos objetos, assim como outros sujeitos.
Cultivamos a colaboração, o respeito e o cuidado por seu aparato corpóreo, pelo outro e pelo ambiente, onde se experimenta a capacidade comunicativa não verbal, aprendendo sobre si, os outros, a sociedade e a ecologia.
Em nossa prática, não se trata de dirigir os movimentos do grupo, mas buscar acompanhar as livre-associações não-verbais que se produzem espontaneamente frente aos espaços e objetos oferecidos para exploração (Lapierre, 1997; Aucouturier, 2007).
3 – Algumas Análises:
É preciso refletir que uma abordagem livre expressiva tem como condição precípua a intervenção de facilitadores – os Transpsicomotricistas, em nosso caso específico.
Contudo, permitir as ações espontâneas dos grupos tem sido um esforço muito grande mesmo para aqueles que buscam se especializar nesta proposta, a partir da Formação em Transpsicomotricidade, aberta à profissionais de todas as áreas de saber que fazem interface com as atuações na Educação e Saúde.
As possessões paradigmáticas ligadas à disciplinarização dos corpos, leva os formandos, frente aos grupos de intervenção, a buscar o controle e a ordenação dos movimentos como forma de apaziguar seus próprios fantasmas de caos e impotência com relação à diversidade de expressões e demandas, muitas vezes antagônicas.
Na formação pessoal – vivências psicomotoras que ocupam cinqüenta por cento da carga horária do curso - a vergonha e o medo da humilhação, do ridículo, surgem com força, quando a espontaneidade é solicitada.
As instituições demandam de seus educadores o “domínio de turma” – o controle total - como uma condição de bom funcionamento das engrenagens escolares. Como, de uma hora para outra, deixar acontecer?
Os autores que estudam a execução das políticas públicas em Educação Inclusiva (Mendes, 2006) apontam que uma das dificuldades principais para a realização das metas e propostas idealizadas, tem sido a resistência na adesão dos educadores, que se sentem desamparados e despreparados para a tarefa que está sendo cobrada. Mesmo para aqueles que concordam em receber algum estudante a ser incluído, surgem conflitos profundos com a estrutura de ensino e com as estratégias que sempre prevaleceram nos ambientes educacionais.
Acreditamos que apenas com a própria experiência de resgate – sempre inacabado - das ações inibidas, os profissionais da Transpsicomotricidade, assim como os grupos trabalhados, conseguem ter acesso aos sentidos mais profundos de suas posturas, ações, palavras, que denunciam muito mais do que gostaríamos, mas que por vezes, são um discurso inacessível a nós mesmos.
Trata-se de nossa própria corporeidade, construída em cada interação com o mundo e base dos comportamentos na esfera pessoal e profissional.
Nossa disponibilidade para o diverso está condicionada ao sentido/valorização social que a aceitação da multiplicidade/singularidade possui. Aprendemos a dividir e cristalizar os papéis superiores e inferiores em nossa cultura e os reproduzimos sem perceber – gerando iniquidade.

4 - Considerações finais:
A revolução que se apresenta como condição para o surgimento de uma nova escola, assusta e paralisa àqueles que ainda não vislumbraram como possível um espaço escolar e social, onde a diversidade e a singularidade possam conviver em harmonia com a coletividade e o bem comum.
Aceitamos como irrefutáveis os valores que temos perpetuado através de nossas lógicas, pensamentos e gestos. “Somos possuídos pela cultura que possuímos”.
E nessas possessões, nos movemos cegamente, nem sempre em direção à maleabilidade e humildade, mas quase sempre na da arrogância e do absolutismo.
Muitos tem sido os movimentos que atravessam a Educação Brasileira e internacional, cada qual com suas cartilhas, onde a transformação é imposta como se fosse possível agir de modo diferente do que se acredita e do que se incorporou na vida. As capacitações de professores, ao longo dos anos, vêm atuando a partir de um modelo racionalista, onde a aquisição de saberes sobre as novas tecnologias educacionais parece bastar para impulsionar novos olhares e atos docentes.
Como resultante, muito pouco se altera nas rotinas escolares, modificando-se apenas a burocracia obrigatória aos alunos, pais, professores e instituição.
Mesmo quando se trata da noção de risco em saúde pública, conceito que o cidadão é obrigado a se defrontar na mídia, nas interações cotidianas e em seus próprios receios, não conseguimos adesão total. Ainda temos aqueles que não aderiram aos preservativos, aqueles que ainda fumam, aqueles que adotam as condutas “cientificamente/politicamente” incorretas em virtude de seus valores, necessidades, histórias, culturas, gêneros, religiões, dentre outras singularidades.
Não se consegue mudanças de comportamento sem uma reorganização de velhas reações e para isso é preciso ter consciência delas, o que o ritmo acelerado e as tensões cotidianas roubam da maioria de nós.
A Transpsicomotricidade Educacional busca abrir esses espaços reflexivos, atuando na base onde são inscritos os comportamentos – o corpo – e facilitando a maleabilização dos valores de gênero, transgeracionais e culturais para a adoção de novas condutas, mais convergentes com a solidariedade e a aceitação da multiplicidade, imprescindíveis à Educação e à Sociedade Inclusiva.
Com suas propostas de resgate da ação em comum – comunicação - especialmente nos seus aspectos não verbais – o jogo, os diálogos gestuais – a Transpsicomotricidade se coloca como ponto de reconciliação provisória dos antagonismos, onde as opiniões mais divergentes possam ser consideradas faces de uma mesma e multifacetada situação.
Um espaço onde a contribuição de cada sujeito enriqueça e amplie a capacidade de compreensão e conseqüente convivência com as situações cotidianas.
A partir da aceitação de quem somos e de que não teremos muitas certezas para nos apoiarmos, enfrentaremos os erros e ilusões com ajuda da religação dos olhares com nossos parceiros e parceiras de contexto, construindo a transdisciplinaridade em prol de encontrar saídas e modos de enfrentamento das crises e pestes que nos assolam.
A religação de saberes e ações é vital para ampliar nossas possibilidades. Para facilitar essa dialógica constituímos, em 2005, um grupo de discussão na internet, no endereço: http://br.groups.yahoo.com/group/Transpsicomotricidade/ , hoje (junho/2010) com 354 associados e aberto à todos os interessados.
Evidentemente o caminho apontado por nossa formação não é o único, nem é uma panacéia para a Educação Inclusiva, contudo, com a condição de estarmos sempre abertos à reconstrução, acreditamos apresentar uma via em direção à tornar fato o que propõem as políticas públicas brasileiras, reflexo da urgente necessidade de equidade social, com direitos e deveres realmente para todos.

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Abstract: Our purpose in this article is to clarify the possibilities of aid that Educational Transpsychomotor practice can offer, in favor of achieving an effective Inclusive Education. Facing numerous difficulties in realizing the proposal for a school truly open, this practice, based on assumptions of Psychomotricity and Complex and Transdisciplinary Thinking contributes with ideas and strategies for the necessary transformation in the of education / school / social structure. They also seek to reflect on the process of Transpsychomotor training offered to professionals from various fields of knowledge that seek to become multipliers of this approach.

Keywords:
Psychomotricity, Inclusive Education, Complexity, Transdisciplinarity.
(1)Psicomotricista Clínico e Educacional; Doutor e Mestre em Ciências: Saúde da Criança – IFF/FIOCRUZ – M.S.; Docente das Pós-Graduações em Educação; Reeducação Psicomotora – EDU/UERJ e Dificuldades de Aprendizagem – EDU/UERJ; Psicomotricidade – UCB; Psicomotricidade & Educação AEDB, onde coordena; Presidente da ONG Sociedade Brincar é Viver, também projeto de extensão da EDU/UERJ; Formador e Criador da Transpsicomotricidade Educacional e Clínica – EDU/UERJ; Sócio Titular da Associação Brasileira de Psicomotricidade.
Mail – transpsicomotricidade@gmail.com
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YahooGrupos - http://br.groups.yahoo.com/group/Transpsicomotricidade
(2)"Transpsicomotricidade Educacional: Psicomotricidade de base Complexa à serviço da Educação Inclusiva" Artigo publicado na Revista Interagir – pensando a extensão – nº 13 p.59 – 65 – UERJ, 2010
http://revistadepsicomotricidad.blogspot.com agradece públicamente la colaboración del Profesor Eduardo Costa, por enviar este valioso artículo de su autoría.